Hoje gostaria de falar sobre estratégia, mais especificamente sobre uma atividade importante para empresas e startups: estratégia de lançamento de produtos. Por isso, trarei uma ferramenta que utilizamos com frequência na Grand Designs quando estamos em fase de testes e lançamento de produtos.
Texto original de: https://projectdesignmanagement.com.br/produto/matriz-de-abertura-uma-ferramenta-para-planejamento-de-cenarios-em-busca-de-inovacao-em-contextos-atuais/
Tentar se antecipar ao futuro é uma atividade que nós seres humanos temos praticado desde os nossos primórdios. Muitos autores defendem que este é o principal diferencial dos humanos, o que nos faz tão únicos quando comparados às outras espécies que co habitam este planeta: a necessidade de pensar no futuro (DE GEUS, 1998). Mas este diferencial também envolve, além da necessidade de pensar no futuro, a capacidade de se preparar para ele. Destas análises surge a administração moderna, reforçada por estudiosos como Drucker, Porter, Senge, de Geus, Shumpeter e muitos outros, que começaram a fazer analogias e correlações entre a administração de sucesso (ou fracasso) de uma empresa com o meio ambiente pelo qual esta empresa está envolvida.
Para nos aprofundarmos mais nesse assunto, precisamos trazer um breve panorama sobre a Administração Moderna. Todos estes grandes pensadores entenderam que uma empresa não é uma máquina onde é possível fazer uma conta perfeita ao inserir insumos numa ponta e extrair os resultados destes na outra, pois na verdade, sempre haverá perda. Entretanto, muitos conceitos da administração tradicional não conseguiam explicar tal fenômeno.
A partir desse momento, empresas começaram a ser consideradas “mais humanas”, ou seja, as individualidades de cada integrante desta empresa, ou ecossistema, devem ser consideradas e, ao serem somadas, levam a uma característica de um coletivo que molda a tal “cultura” da empresa. Pois bem, vamos falar de inovação, mas é impossível falar dela sem trazer os conceitos de estratégia à tona.
O objetivo deste artigo não é abordar o conceito de estratégia profundamente, pois trata-se de um conceito amplamente difundido, entretanto, é necessário mostrar como esta atividade, de definir uma estratégia, que é tão antiga quanto nossos registros de conhecimento são capazes de mostrar, é importante.
Portanto, o que é Estratégia?
Segundo Alexandre “O Grande” (330 ac.), estratégia trata da habilidade de em- pregar forças para sobrepujar a oposição. Sun Tzu (496 ac.), autor do livro “A arte da guerra” (MCCREADIE, 2008), defende que “se conhecermos o inimigo e nós mesmos, não precisaremos temer o resultado de uma centena de combates”.
Trazendo para tempos mais atuais, com pensadores da administração moderna, Michael Porter (1980), diz que a estratégia “é uma corrida para a posição ideal, e que se trata de escolher o que se deve ou não fazer como empresa”. Entretanto, o que fazer ou não dentro de uma empresa não é uma questão de decisão exclusivamente orientada para sermos capazes de enxergar o mercado.
É possível dizer que uma ótima análise estratégica é uma “perfeita combinação” entre a capacidade da empresa de enxergar o mercado e de se preparar para estas observações. Portanto, como mostrado em diversos livros da administração moderna, um plano estratégico é feito por meio da análise do ambiente externo, seguido por uma análise do ambiente interno para que a reação da empresa seja a preparação de tudo que é necessário em prol da aquisição de uma vantagem competitiva.
A busca pela inovação segue uma linha muito similar e, enquanto ainda não possuía a denominação atual, era buscada como uma vantagem competitiva, mas o que mudou desde então?
https://www.argosjr.com/mundo-vuca/
Pode-se dizer que a principal mudança entre o mundo de hoje e o de algumas dezenas de anos atrás é, curiosamente, A PRÓPRIA MUDANÇA. Esta ocorre cada vez mais rapidamente nos colocando em um mundo cada vez mais difícil de observar e se adaptar. Muitos estudos têm surgido com o intuito de melhor compreender, reagir e provocar mudanças.
Tabela 1 – Significado do acrônimo “VUCA”, adaptado de Ligia de Souza (2018).
Uma expressão que tem se tornado muito comum em nosso dia a dia e é oriunda do vocabulário americano, é o “mundo VUCA”, um acrônimo utilizado para descrever a Volatilidade (“volatility”), Incerteza (“uncertainty”), Complexidade (“complexity”) e Ambiguidade (“ambiguity”) do atual cenário. Este termo ganhou grandes proporções e tem sido adotado por estudiosos, praticantes e empresas para descrever este novo ambiente que demonstra a complexidade de nossa sociedade contemporânea, que, devido ao avanço tecnológico nos trouxe um mundo muito mais globalizado. A autora Ligia de Souza (2018), faz uma observação analisando o significado de cada letra do acrônimo “VUCA”:
Portanto, como fazer gestão ou traçar estratégia nesse cenário?
Projetos dos dias de hoje enfrentam diferentes desafios e dificuldades, exigindo que o problema seja formulado e reformulado diversas vezes. Nessa direção a literatura aborda métodos de resolução de problemas como formas de intervir em situações em que o problema precise ser elucidado antes de, finalmente, ser resolvido. Portanto, é muito importante estabelecer mecanismos capazes de identificar, priorizar, testar e selecionar tais problemas complexos adequadamente (LEWIS, ET AL., 1975). Por isso, vamos falar um pouco mais de problemas e seus diferentes tipos antes de tentar resolvê-los.
Podemos fazer uma tipologia de problemas? Bem, acredito que podemos começar entendendo seus significados, certo?
De acordo com o dicionário Oxford, o termo “problema” pode ser conceituado como uma situação considerada indesejável ou prejudicial, que precisa ser tratada ou superada (STEVENSON, 2019). O estudo das características de problemas e sua gestão não é uma atividade que possa ser considerada recente, pois a percepção de que alguns problemas são mais “difíceis” de serem resolvidos do que outros é muito antiga e amplamente desenvolvida, porém, Rittel e Webber (1973), tipificaram problemas conforme seu grau de nocividade, categorizando-os de acordo com a sua complexidade e/ou impacto, denominando os “problemas mansos” ou “problemas capciosos”.
Como mostrado no post sobre “Organizações como sistemas complexos” e na figura abaixo, pode-se dizer que os “problemas mansos” são simples ou complicados e os “problemas capiciosos” são complexos ou caóticos. A principal diferença entre os problemas do lado esquerdo da figura para os do lado direito é que a solução, uma vez encontrada, não pode ser utilizada em outro contexto, portanto, não sendo passível de generalização. Esta característica representa um cenário muito atual quando estamos buscando uma inovação, ou seja, a busca pela vantagem competitiva está cada vez mais difícil.
Tipologia de Problemas
Fonte: adaptado de Boone e Snowden (2009)
Também, os problemas capiciosos não podem ser definidos de forma objetiva, uma vez que a sua elucidação depende do ponto de vista da pessoa que o está investigando. Desta forma, pode-se dizer que um problema capcioso é um conjunto de questões e restrições interconectadas que mudam ao longo do tempo, inseridas em um contexto dinâmico, como ambientes sociais e organizacionais. Comumente estes problemas representam um problema único, com múltiplas interdependências, incompletude e contradições das variáveis que geram todo o contexto, impossibilitando a formulação direta do problema (RITTEL, ET AL., 1973).
Portanto, diante deste cenário, os métodos tradicionais de resolução de problemas acabam se tornando ineficientes e inadequados, pois não são equipados para tratar com a complexidade existente em problemas complexos ou caóticos, principalmente quando inseridos em contextos sociais que acabam por impossibilitar uma decomposição sistemática para a sua análise (NELSON, ET AL., 2009). Assim, o caráter não estruturado destes problemas capciosos acaba dificultando a identificação das causas e efeitos que auxiliam no processo decisório para busca de solução.
GESTÃO DE COMPLEXIDADES
Se não mais é possível utilizar as ferramentas tradicionais da engenharia de processos, como Diagrama de Ishikawa e Árvore de Problemas, talvez a melhor maneira de fazer a “gestão de complexidades” esteja no uso de teorias dialéticas que analisam as contradições existentes nos sistemas, responsáveis por gerar tais problemas capciosos, principalmente contra uma indicação de dinâmica causal. Portanto, a busca por contradições é uma importante aliada para a elucidação de problemas e um ótimo indicativo para busca de soluções.
Representação de Forças Contraditórias
Fonte: autoria própria
Como mostrada na figura anterior, essas forças contraditórias acabam sendo formadas pelos próprios atores e partes interessadas envolvidas no processo. Tais forças são representações de relacionamentos injustos, desequilibrados e desajeitados, que são tensões sistêmicas que se acumulam ao longo da história da atividade que está sendo analisada.
Entretanto, as contradições nos permitem a fazer uma compreensão mais profunda da atividade por meio do design, que acabarão por ser representadas por suas restrições. É importante salientar que estas contradições não podem ser removidas ou resolvidas, mas, em vez disso, podem ser agravadas, aliviadas ou superadas quando reproduzidas em algum espaço de design, como o exemplo de um canvas (VAN AMSTEL, ET AL., 2016).
Para auxiliar a formular uma estratégia neste contexto, estamos sugerindo o uso de uma ferramenta que põe dois conjuntos de contradições, que representam um contexto atual, em uma matriz dois por dois.
Matriz de Abertura
Fonte: Grand Designs Inovação
Em um projeto de inovação para a busca de um produto ou serviço que trará uma vantagem competitiva para empresa, ao lidar com o momento de teste de soluções no mercado, apresentamos uma ferramenta que busca fazer uma análise estratégica para melhor verificar a maneira de lançar a solução de uma empresa no mercado com sucesso.
A ferramenta de Matriz de Abertura é uma ferramenta muito semelhante a uma matriz SWOT, que auxilia profissionais a fazerem um planejamento estratégico por meio de uma análise interna ao elencar Forças e Fraquezas (“Strengths”; “Weakenesses”), assim como uma análise externa ao identificar Oportunidades e Ameaças (“Oportunities”; “Threats”).
A Matriz de Abertura se caracteriza por analisar a contradição existente entre uma representação externa de mercado volátil ou estável, assim como um ambiente onde a disseminação de conhecimento e aprendizagem é fechada ou aberta (quase que política). Portanto, a ferramenta trata de colocar duas contradições “insolúveis” em um mesmo contexto, possibilitando aos estrategistas e designers a reagirem a cada possibilidade de cenários futuros.
PLANEJAMENTO DE CENÁRIOS
O principal objetivo do planejamento de cenários é fornecer um meio de ordenar percepções sobre como o futuro pode acontecer e determinar quais decisões estratégicas hoje oferecem a melhor chance de sucesso amanhã. Pode-se dizer que cenários são constituídos por histórias ricas baseadas em dados, construídos por meio de uma narrativa que tem o poder de ampliar o pensamento dos indivíduos participantes da atividade.
Um conjunto de cenários deve formar uma estrutura organizadora que pode ser utilizada para entender os sinais de mercados conflitantes e/ou ambíguos de maneira mais holística atualmente e à medida que aparecem ao longo do tempo.
De acordo com Peter Schwartz (1991), algumas empresas traçam estratégias bastantes elaboradas, baseadas em uma visão de mundo, porém, outras fazem uma estratégia sem possuir tal visão. Peter sugere que os indivíduos pensem em diversos “futuros potenciais”, uma vez que, diferentemente de pesquisas e previsões de mercado, estes acabam por apresentar visões alternativas do mundo (SCHWATZ, 1991).
Em seu livro “Designing for Growth”, a autora Jeanne Liedtka (LIEDTKA, ET AL., 2014) faz o desafio, tanto para designers quanto para profissionais com formações de MBAs executivo, de projetar o mercado de varejo em dez anos no futuro.
Jeanne ainda afirma acreditar que “as diferenças entre uma abordagem tradicional de negócios e uma abordagem de design são profundas, mas as duas são potencialmente complementares que podem formar uma combinação feita no céu, ou no inferno”. Como opostos que se atraem ou se repelem, podendo ser mágicos ou míseros, dependendo de como for executado.
A autora traz diferentes características que sugerem que os designers possuem uma habilidade mais adequada para fazerem extrapolações do futuro, considerando um cenário atual mais volátil, uma vez que profissionais mais tradicionais tendem a fazer uma extrapolação do futuro de acordo com o conhecimento baseado em aprendizados com o passado.
Entretanto, sabemos que ambas as abordagens possuem suas vantagens e desvantagens quando o objetivo é “fazer um negócio dar certo”. Por isso, a ferramenta Matriz de Abertura busca trazer um equilíbrio para que, tanto profissionais com habilidades de design, quanto aqueles que possuem habilidades de gestão estratégica, possam contribuir na projeção de cenários e sua consequente reação, de forma simbiótica em prol do sucesso dos produtos e serviço da organização.
Que tal experimentar planejar os diferentes cenários de lançamento para o seu produto com grande capacidade de ruptura? Espero ter saído um pouco do “mais do mesmo” e ter trazido para vocês conteúdo importante para sua tomada de decisão. Nos vemos em breve 😉
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REFERENCES
- DE GEUS, Arie. A Empresa Viva. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 1998.
- MCCREADIE, Karen. A Arte da Guera: uma interpretação em 52 ideias brilhantes. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2008.
- PORTER, Michael. Competitive strategy: Techniques for analyzing industries and competitors. 2ª Edição. Nova Iorque: Editora Simon and Schuster, 2008.
- DE SOUZA, Ligia; SANTOS, J., Reflexão Sobre a dinâmica do “Mundo VUCA” e seu imacto na educação profissional a distância. Rev. 1, 2018.
- LEWIS, Andrew C.; SADOSKY, Thomas L. Effectiveness of Group Brainstorming in Engineering Problem Solving. Rev. 3, 1975.
- STEVENSON, Angus. Oxford Dictionary of English. 3ª Edição. Oxford: Oxford University Press, 2019.
- RITTEL, Horst W. J.; WEBBER, Melvin M. Dilemmas in a General Theory of Planning. Policy Sciences. Rev. 2, 1973.
- NELSON, Brent A.; YEN, Jeannette. Refined metrics for measuring ideation effectiveness. Rev. 6, 2009.
- VAN AMSTEL, Frederick M. C.; HARTMANN, Timo; VAN DER VOORT, Mascha C. The social production of design space. Rev. 46, 2016.
- SCHWARTZ, Peter. The Art of the Long View. 1ª Edição. Nova Iorque: Editora Doubleday, 1991.
- LIEDTKA, Jeanne. Designing for Growth: A Design Thinking Tool for managers. 1ª Edição. Nova Iorque: Columbia Unity Press, 2011.
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